Carta de 26/09

João Pessoa, 26 de Setembro de 2009

João Pessoa, 7/4/5771 HMEPA

Caro Z.,
De início seria uma idéia abortiva escrever-lhe estas poucas palavras, mas de alguma forma essa idéia sádica de me ver ferido enquanto você possivelmente ignora o que escrevo aqui me alimenta. Talvez seja o caso de eu apenas estar querendo falar algo, e ocasionalmente não ter ninguém que me possa ler, ou estar aqui. Mas eu já me acostumei a esse elemento indissociável da minha condição de existir.
Nas últimas semanas os dias têm sido exaustivamente longos. Tenho procurado por pessoas, visitado amigos e observado o movimento contínuo e silencioso da natureza das plantas no quintal. Elas andam muito silenciosas. Talvez planejem algo, algo que foge ao meu controle. Não gosto disso, mas preciso respeitar a natureza passageira, porém atemporal que é própria delas. Vejo que isso se repete em você também e não me furtei a respeitar sua escolha, mesmo que tenha sofrido e que esteja sofrendo.
Vejo em cada sonho uma possibilidade de encontrar-te e, por aquele instante, ter a minha firmeza e fraquezas devolvidas.
Meu caminhar está forte, retomei o brilho dos olhos e todos dizem que estou mais bonito. O sorriso ainda me foge, e evito os toques pessoais, por mais que seja muito fácil que eu me apaixone por um belo par de olhos ou por um peitoral que me transmita segurança. Quero residência. Mas no ir das coisas isso não é algo que se possa encontrar com facilidade. Tenho trabalhado na esperança de que essas necessidades sejam substituídas por prioridades. E me tenho dado oportunidades que não tinha me dado antes: sair para os lugares que gosto, ver as pessoas que gosto, estar nos lugares sujos e bons que eu gosto. Tenho ido ao parque e ao cinema escuro todas as semanas, ao menos uma vez;
Ontem encontrei um garoto. Ele tinha pele suave e firme. Era câncer, mas pensei que fosse aguadeiro. Beijou-me e tocou em algo dentro de mim. Mas foi seco. Até ele tinha um namorado e seus pensamentos não eram meus. Esses pronomes possessivos ainda me amedrontam. De qualquer forma preciso ressucitar e sobreviver ao passar dos dias.
Ainda não encontei meu álbum de fotos de quando criança. Espero que se estiver aí, você o guarde. Um dia posso precisar de minha história de volta. E por agora, eu vivo. E vivo.
Caso leia, escreva-me.
Atenciosamente:

Thiago
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