Carta de 10/02

Gamelion, 27/ 5771


Phille Mou,

mais uma vez escrevo dizendo que sinto sua falta, e se lhe escrevo é porque não posso mentir pra mim mesmo. Não quero que volte, apenas que estejas por perto. 

Há pouco vi na tevê a reporetagem de uma moça que salvou a vida de uma criança que caso ela não estivesse lá ,certamente seria estuprada e saber-se-a o quê mais lhe aconteceria depois. A mulher era prostituta, tinha problemas, como todos têm; acredito que de alguma forma nesse gesto não foi a criana quem ela correu para salvar, mas sim a vida, vida essa a qual a criança era apenas um símbolo. Ela salvou sua própria vida. E nós dois matando-nos mutuamente para fazermos com que algo que já se desfaz há anos sobreviva a algo que também já não existe mais. 

Somos estranhos? Sim, certamente!, mas é a nossa forma de ser gente no mundo. Lembro de você me cotando quando sua mãe te deixou do lado de fora  de casa e disse: 'vai, vira gente'! Lembro também do seu furor quando fala disso, e do rancor que nutres por ela, uma mistura de devoção e ódio. Quando acordo me repito isso, tentando ter a audácia que ela tivera anos antes e grito pra dentro 'vai, vira gente, Thiago!".  Algumas vezes deu certo, outas não. Por agora ainda é válido. Após esse tempo rever a cidade e saber que posso te encontrar por aí é constrangedor. Me pertuba a idéia de bater com você quando compro o jornal ou quando reclamo da fila dos bancos ou do atraso dos ônibus,porque isso é uma confirmação de que você sobreviveu.   Imagino que eu tenha sobrevivodo, mas a certeza não me cabe. 

Agora preciso despedir-me. 

Teu:

Th.
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