Gamelion, 27/ 5771
Phille Mou,
mais uma vez escrevo dizendo que sinto sua falta, e se lhe escrevo é porque não posso mentir pra mim mesmo. Não quero que volte, apenas que estejas por perto.
Há pouco vi na tevê a reporetagem de uma moça que salvou a vida de uma criança que caso ela não estivesse lá ,certamente seria estuprada e saber-se-a o quê mais lhe aconteceria depois. A mulher era prostituta, tinha problemas, como todos têm; acredito que de alguma forma nesse gesto não foi a criana quem ela correu para salvar, mas sim a vida, vida essa a qual a criança era apenas um símbolo. Ela salvou sua própria vida. E nós dois matando-nos mutuamente para fazermos com que algo que já se desfaz há anos sobreviva a algo que também já não existe mais.
Somos estranhos? Sim, certamente!, mas é a nossa forma de ser gente no mundo. Lembro de você me cotando quando sua mãe te deixou do lado de fora de casa e disse: 'vai, vira gente'! Lembro também do seu furor quando fala disso, e do rancor que nutres por ela, uma mistura de devoção e ódio. Quando acordo me repito isso, tentando ter a audácia que ela tivera anos antes e grito pra dentro 'vai, vira gente, Thiago!". Algumas vezes deu certo, outas não. Por agora ainda é válido. Após esse tempo rever a cidade e saber que posso te encontrar por aí é constrangedor. Me pertuba a idéia de bater com você quando compro o jornal ou quando reclamo da fila dos bancos ou do atraso dos ônibus,porque isso é uma confirmação de que você sobreviveu. Imagino que eu tenha sobrevivodo, mas a certeza não me cabe.
Agora preciso despedir-me.
Teu:
Th.
Postar um comentário