Carta de 12 de março

Meu pequeno Leprechaun

Há muito não escrevo cartas. Aliás, há muito tempo já não escrevo qualquer coisa que não burocracias, obrigações e deveres. Inadvertidamente fui presenteado esse ano com um pequeno bloco de anotações trabalhado a papel, couro e mão. Na capa se lê: escreve aqui todo dia. Até hoje, tendo se passado quase três meses desde que me foi dado continua intacto. Intacto como minha saudade. Estive esperando por horas uma palavra tua, uma mensagem, um sinal. Vou dormir e nada. 

Conforme te havia dito, confundem-se em mim fórmulas e sussurros. Sei dos constrangimentos e problemas que nosso afeto provoca, mas também entendo que essa é a própria razão dele. Quiçá não existisse nada disso se não houvesse toda essa bruma de confusão e silêncios interditos que se fez entre nós. Escrevo pra dizer-te que tua palavra a mim me importa. Sinto falta dela assim como sinto falta da presença que nunca tive: a tua. Nossa memória é como um cobertor cheio de buracos: protege, abriga, mas desde longe se percebe as lacunas. Há espaços convexos, que se agrupam e nos juntam, mas também há esses constrangedores buracos do momento recente, daquilo que não foi construído. É um duelo duplo: matador. 
Parafraseando Oswald de Andrade, que não sei se gostas – mais um abismo entre nós – escrevo-te como quem observa um pássaro morto. Esse verso sempre me incomodou. Foi para mim uma beleza por ser compreendida. Hoje passados quase dez anos desde que o li pela primeira vez ainda não o compreendo. Também não te compreendo. Apenas gosto dessa companhia ranzinza e sinistra; apenas gosto de ti. Desconheço as razões.

Tenhas uma boa noite sobre o chão e sob as estrelas

Contigo,

T.
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