À Sra. Virginia Woolf;
Disseste uma vez que o próprio mundo parecia falar da beleza, como se ela brotasse instantanemente para onde quer que olhássemos, com controle perfeito, de todas as coisas, calma e sensata, e completavas que a beleza era a verdade, e estava em tudo. É como estivesses reforçando um conceito já tão antigo do qual as gerações vão se esquecendo e que alguém precisa relembrar-lhes através de palavras escritas por autores consideráveis.
Hoje é mais um dia desses. Em que a humanidade se perdeu no sentido real da beleza e precisa realizar campanhas para tentar retomá-lo. Um dia em que outras pessoas precisam dizer às mulheres, e a alguns homens também, que eles devem amar seus corpos sejam eles como forem.
O curioso é que a literatura que nos apresentam desde a infância traz contos com a imagem da mulher como aquela que só se realiza quando encontra o príncipe encantado, que não é capaz de ser "feliz para sempre" se não tiver ou uma fada-madrinha que faça uma super-produção de cabelo, vestido, maquiagem, carruagem, servos e bailes para que ela encontre um homem com posses, ou que passe um período de estágio fazendo tarefas domésticas para sete anões, ou que aprenda a ver a beleza interior de um masculino fera-ogro-corcunda enquanto ela sempre tem que estar dentro do padrão de beleza externa esperado. A gente reclama do que as pessoas se tornam, mas continuamos a educá-las a ver as coisas assim, sem trazer um novo olhar ou interpretação desses arquétipos literários, que com certeza também ensinam algo de bom se soubermos mostrá-lo aos pequenos que criamos.
Imagino que concordarias comigo se aqui estivesses. Vejo-te como uma mulher perceptiva para essas coisas, embora nunca tivéssemos sido apresentadas por vivermos em épocas diferentes. E, no entanto, essas situações que questionamos do feminino ainda parecem tão atuais... Conquistamos alguns espaços, perdemos outros. Paramos com a história de outros escolherem com quem nos casaríamos, mas acabamos criando homens que não dão mais o valor que davam antes para suas esposas. Quisemos parar de depender do dinheiro deles, mas fazemos o mesmo trabalho ganhando menos, e ainda nos vemos ao final sendo obrigadas a fazer além, porque eles ainda não conseguem ou não querem dividir tarefas em casa e na família. Eles prestam serviço militar, mas somos nós as verdadeiras guerreiras. E, ainda que façamos tudo isso, querem que ainda encontremos tempo para nos manter lindas dentro do padrão estético de beleza que uma fatia excêntrica da sociedade dita para todo o resto, fazendo a maioria que não atinge esse molde fazer desumanos sacrifícios tentando alcançá-lo.
O que diriam tuas personagens se nos vissem agora? A Sra. Dalloway veria a beleza do mesmo jeito após se deparar com as idealizações e fetiches que o mundo ainda mantém de nós, talvez até piorados, esperando que constantemente nos reinventemos em outra? Talvez Laura Brown se depararia com tantas iguais à Kitty que angustiaria-se mais. E Clarissa Vaughan, junto a Sally, conseguiriam fingir que são felizes? E tu, quando visses que o leitor masculino sarcástico e ardiloso é apenas um dos menores problemas da escritora moderna com dinheiro? E como reagirias ao ver que algumas garotas de programa hoje vendem mais livro que muitas mulheres literatas?
É triste saber que a três maiores movimentações da economia mundial giram em torno da pornografia, das drogas e dos cosméticos. Uma ditadura da beleza física e da alienação. Vencemos muitas batalhas, mas às custas de terras desvastadas e escassez de amor. Por isso não sei se hoje estamos melhor do que vós. Mas quem sabe as nossas mulheres das letras de hoje promovam grandes revoluções internas em suas irmãs como a que houve entre aquelas que te leram antes e como aquela inspiração que ainda dás a tantas que hoje passam a te conhecer...
Com esperança e admiração,
Alexandra.
Disseste uma vez que o próprio mundo parecia falar da beleza, como se ela brotasse instantanemente para onde quer que olhássemos, com controle perfeito, de todas as coisas, calma e sensata, e completavas que a beleza era a verdade, e estava em tudo. É como estivesses reforçando um conceito já tão antigo do qual as gerações vão se esquecendo e que alguém precisa relembrar-lhes através de palavras escritas por autores consideráveis.
Hoje é mais um dia desses. Em que a humanidade se perdeu no sentido real da beleza e precisa realizar campanhas para tentar retomá-lo. Um dia em que outras pessoas precisam dizer às mulheres, e a alguns homens também, que eles devem amar seus corpos sejam eles como forem.
O curioso é que a literatura que nos apresentam desde a infância traz contos com a imagem da mulher como aquela que só se realiza quando encontra o príncipe encantado, que não é capaz de ser "feliz para sempre" se não tiver ou uma fada-madrinha que faça uma super-produção de cabelo, vestido, maquiagem, carruagem, servos e bailes para que ela encontre um homem com posses, ou que passe um período de estágio fazendo tarefas domésticas para sete anões, ou que aprenda a ver a beleza interior de um masculino fera-ogro-corcunda enquanto ela sempre tem que estar dentro do padrão de beleza externa esperado. A gente reclama do que as pessoas se tornam, mas continuamos a educá-las a ver as coisas assim, sem trazer um novo olhar ou interpretação desses arquétipos literários, que com certeza também ensinam algo de bom se soubermos mostrá-lo aos pequenos que criamos.
Imagino que concordarias comigo se aqui estivesses. Vejo-te como uma mulher perceptiva para essas coisas, embora nunca tivéssemos sido apresentadas por vivermos em épocas diferentes. E, no entanto, essas situações que questionamos do feminino ainda parecem tão atuais... Conquistamos alguns espaços, perdemos outros. Paramos com a história de outros escolherem com quem nos casaríamos, mas acabamos criando homens que não dão mais o valor que davam antes para suas esposas. Quisemos parar de depender do dinheiro deles, mas fazemos o mesmo trabalho ganhando menos, e ainda nos vemos ao final sendo obrigadas a fazer além, porque eles ainda não conseguem ou não querem dividir tarefas em casa e na família. Eles prestam serviço militar, mas somos nós as verdadeiras guerreiras. E, ainda que façamos tudo isso, querem que ainda encontremos tempo para nos manter lindas dentro do padrão estético de beleza que uma fatia excêntrica da sociedade dita para todo o resto, fazendo a maioria que não atinge esse molde fazer desumanos sacrifícios tentando alcançá-lo.
O que diriam tuas personagens se nos vissem agora? A Sra. Dalloway veria a beleza do mesmo jeito após se deparar com as idealizações e fetiches que o mundo ainda mantém de nós, talvez até piorados, esperando que constantemente nos reinventemos em outra? Talvez Laura Brown se depararia com tantas iguais à Kitty que angustiaria-se mais. E Clarissa Vaughan, junto a Sally, conseguiriam fingir que são felizes? E tu, quando visses que o leitor masculino sarcástico e ardiloso é apenas um dos menores problemas da escritora moderna com dinheiro? E como reagirias ao ver que algumas garotas de programa hoje vendem mais livro que muitas mulheres literatas?
É triste saber que a três maiores movimentações da economia mundial giram em torno da pornografia, das drogas e dos cosméticos. Uma ditadura da beleza física e da alienação. Vencemos muitas batalhas, mas às custas de terras desvastadas e escassez de amor. Por isso não sei se hoje estamos melhor do que vós. Mas quem sabe as nossas mulheres das letras de hoje promovam grandes revoluções internas em suas irmãs como a que houve entre aquelas que te leram antes e como aquela inspiração que ainda dás a tantas que hoje passam a te conhecer...
Com esperança e admiração,
Alexandra.
lindo retorno à virgínia!
parabéns pelo texto, cheio de sensatez e carinho. :]
obrigada! :)
Gostei muito...mas quabto ao livro da "prostituta",acho que não seria o caso,ou melhor,segundo as obras do querido Rodrigues....mas daquela doida é claro!,seria mais que um disparate compara-las...
Grande VIRGÍNIA!!
Vida londa à sua obra!!
O nosso corpo é a nossa representação física e por ele manifestamos muito do que somos, fazemos, valorizamos e cultuamos.
Cadinho RoCo
com certeza :)
grata pela visita