Carta de 12/11

I.,

Há 5 meses e 1 semana partiste. E minha noite ainda abriga sonhos contigo. Um dia te citei Mariana Alcoforado, lembra? A parte do "minha honra e minha religião serão somente amar-te perdidamente por toda a minha vida"? Agora volto um pouquinho no texto daquela mesma carta da soror, no mesmo parágrafo, para o excerto em que ela diz: "a crueldade da tua ausência, talvez eterna, em nada diminuiu a exaltação do meu amor".

Semanas antes daquele dia de abril em que te soube doente, recebi as mais recentes epístolas de M. e S., e não tive coragem de psicografá-los desde então; no princípio por medo do que me diriam, depois por não achar que nada me consolaria, ainda que viesse deles. Não sei se vocês se encontraram por aí, não sei se vamos todos para o mesmo lugar; sabemos que eles mesmos ainda não tinham se reunido quando os re-conhecemos. Ele de Creta, ela do Cáucaso, tu da Islândia. Enfim...

Hoje comecei a pintar uma peça de artesanato. O cheiro de alguma coisa ali lembrou-me de ti, do teu ateliê... Eu achava que um dia terias o reconhecimento merecido do teu trabalho, e que eu estaria a teu lado para te dar força... Queria ter guardado mais obras tuas. Creio que sabes quais delas ainda tenho. Dói-me lembrar as circunstâncias de algumas, as exigências tolas que fiz, os motivos bestas que apresentei para acabar eu mesma perdendo a única coisa íntegra que eu tinha: a gente.

Confesso-te que ainda vacilo de voltar a ter com M. e S., de acabarmos falando de ti e eu reviver todo esse luto, a desesperança, o desânimo (perda da alma) e acabar piorando o que já está difícil. Por outro lado, preciso deles, e queria sentir de novo aquilo que S. me fazia. Talvez seja ela quem esteja me estimulando e convencendo a voltar-me às práticas dela, em vez de centrar-me apenas nas de M.. Claro que sem abandonar uma coisa pela outra!

Sei que pensei que eu tinha encontrado com quem me distrair, mas os seres humanos são estranhos. E, lendo um romance, percebi que a gente tem é memória emocional curta, porque bastou lembrar como é sentir certas dores e agonias que já preferi não as ter de novo. Acho que te surpreenderias - se já não o fazes daí - ao ver o quão diferente me tornei.

Por ora encerrarei aqui estas divagações, pois ainda preciso adormecer o sono que não se faz eterno. É tão surreal que as vítimas e as pessoas felizes sejam levadas deste mundo e as entediadas por aqui fiquem... E o pior é que o implacável tempo só me faz achar cada vez mais que já é tarde para certas coisas, que sequei como uma flor que murcha antes de produzir fruto. E não sei por que o mundo ainda me quer vagando nele.

Fica à vontade para aparecer no onírico se assim quiseres...

Álex.
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