Carta a Dio

Amado Senhor D.,

Sei que as noites contigo têm sido indescritivelmente extasiantes, mas as outras horas do dia - em que me deixas perdida em Tua floresta na montanha - estão para me enlouquecer de um jeito que me desestabiliza inteira, e com o qual nem sempre eu sei lidar.

Considera meu pesadelo desta manhã de sono, e propicia aquele momento do qual preciso para compensar a situação em que me encontro, nesta rede na qual me joguei voluntariamente à espera de uma coisa que não veio e que acabou por me enrolar como a uma teia.

Lembra que Atena carregou Teu coração até Zeus e me ajuda a restaurar o meu, o qual não só palpita (como o "pallein" de Pallas) como também vem sangrando diante de Tua presença.

Reconhece entre Tuas mênades o que está causando essa tensão ausente de furor sagrado e com nódoas de transgressão negligente, e purifica-nos com Tua dança, percussão e transe.

Revela-nos pela 'mantiké' a divina 'manía' que promove a 'maieutiké', fazendo-nos seres novos e plenos de Ti.

E, especialmente, esposo das bacantes, mostra-me o sentido por trás dessa vertigem que me toma a mente e a alma, que constantemente vêm se debatendo contra os meus desejos.

Que nós dois possamos prolongar o enlevar da noite através dos dias e compartilhá-lo com aquelas criaturas que mais Te são próximas. Traga-nas para junto de mim, tanto no trazer quanto no tragar, e consome-nos em fumaça sagrada para diluirmo-nos em Ti.

Entregue estou, toma-me como se a uma ânfora, e sorve para fora o veneno da confusão profana, para tornar-me instrumento sacro em Teu séquito.

Senhor de olhos noturnos, anseio por navegar em Teu mar cor de vinho, escoltada por Teus golfinhos-piratas e enredada de hera sagrada.

Conduze-me com Teu tirso agora, e dá-me Tua bênção...

A.
~ 5 de dezembro de 2010 ~
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